quarta-feira, 26 de setembro de 2012

PRIMEIRO CINEMA DE SANTA CRUZ DO CAPIBARIBE


 Memórias que resistem ao tempo: Os primeiros cinemas de Santa Cruz do Capibaribe.
Santa Cruz do Capibaribe, sob os olhos de quem anda por suas ruas e conhece a cultura de seu povo, parece impossível que a atual cidade caótica e desorganizada, pudesse ter abrigado algum dia, lugares de puro divertimento. Mais inesperado ainda, que os habitantes desta cidade tivessem dedicado horas do seu tempo ao doce “nada fazer”, ao lazer puro e habitual dos passeios nas calçadas do cine Bandeirante, em acompanhar a orquestra musical ao som de valsas, até o modesto Cine Santa Cruz.
As mais antigas referências sobre o cinema em Santa Cruz do Capibaribe datam de 1928. Segundo relatos o primeiro cinema da cidade chamava-se, cine Santa Cruz, pertencia a Luís Alves da Silva, empresário e agropecuarista que contribuiu muito no processo de modernização local, trazendo para a então vila a energia elétrica em 1923, e com ela dois dos maiores símbolos da modernidade, o cinema e o rádio.
O pequeno cinema estava localizado na atual Avenida Padre Zuzinha, próxima à sede da Sociedade Musical Novo Século. Era ainda bastante precário se comparado aos luxuosos e modernos cinemas da capital de Pernambuco, Recife, pois a vila ainda era predominantemente agrária, não havendo obviamente a possibilidade de existir nela um cinema como o das grandes cidades. As projeções eram mudas, pois ainda não havia chegado a Santa Cruz as películas faladas ou cantantes. Sobre o funcionamento do cinema mudo o senhor José Balbino Filho, mais conhecido como Zé de Zuza Balbino, que viu o primeiro cinema chegar em Santa Cruz ainda criança, explica:

“O som era uma orquestra, olhe como era o tempo, como era atrasado, mas naquele tempo era uma novidade. O cinema era mudo, nas cidades grandes, nas capitais, nas cidades, era no piano né? Na hora da projeção aí começava a tocar, tocava uma valsa né, agora aqui em Santa Cruz era uma orquestra de quatro pessoas, era meu pai, Zuza Balbino, Pedro Aragão, Abílio Balbino que era irmão de papai e na trompa era Nanan que chamava Nanam, Clóvis! Clóvis Assis Aragão chamava Nanan. Ai saia quatro músicos da sede tocando até no cinema, ia tocando uma valsa né o povo achava, olhava... E aquilo era como uma propaganda pra chamar o povo e dizer que ia haver projeção, bem, e quando chegava lá eles entravam aí vendia e recebia o ingresso depois trancava as portas e ai começava a projeção e eles tocando aquelas valsas.” (Entrevista realizada com o senhor José Balbino Filho no dia 07 Out. 2010)


Zé tem sua história de vida marcada pelo cinema, além de ser filho do Senhor Zuza Balbino, um dos músicos a tocar na orquestra que acompanhava as primeiras projeções, Seu Zé de Zuza, que tem atualmente 84 anos, trabalhou em quase todos os cinemas existentes em Santa Cruz do Capibaribe. Foi vendedor de ingressos e programador dos filmes, além de ser o responsável em ir às companhias cinematográficas no Recife buscar e levar as películas. Desenvolveu também atividades relacionadas a música, seguindo a tradição de seu pai, tocou durante algum tempo na sociedade Musical Novo século. Com a extinção do Cine Bandeirante em meados da década de 80, cedeu ao costume local de montar um comércio ligado a confecção de roupas, e atualmente é aposentado.
 Nesse depoimento podemos perceber que o cine Santa Cruz tinha uma estrutura ainda bastante arcaica. A sala de projeção era pequena, os assentos eram cadeiras e bancos improvisados, só depois foram substituídas por bancos de madeira mais resistentes. A tela ficava logo na entrada, assim as pessoas tinham que virar-se para assistir aos filmes, que variavam de temas, iam desde as famosas vistas naturais, festas até os famosos melodramas mudos.
As projeções eram acompanhadas pela orquestra, que fazia pausas de acordo com o intervalo das “partes” do filme. As pausas, aliás, eram freqüentes, pois as películas quebravam-se com facilidade e o material usado para fazer as “fitas”, conhecido como celulóide era uma substancia altamente inflamável, que poderia pegar fogo se entrasse em contato, por um curto espaço de tempo, com o forte foco do projetor. Portanto as famosas “partes” do filme eram também uma medida preventiva dos exibidores para não por em risco tanto quem assistia a projeção quanto suas próprias películas.
 O responsável pelas exibições, ou seja, o primeiro operador de Santa Cruz chamava-se Manoel Terino Rufino, como enfatiza o Sr. Zé de Zuza. Nesse período, o hábito de ir ao cinema não era ainda uma prática comum na então vila, a novidade era ainda “uma acontecimento” tanto para as pessoas que viviam na vila de Santa Cruz como para aquelas que vinham de sítios próximos fazer negócios nas feiras de troca, já movimentadas, na época. Santa Cruz era um vilarejo pobre, onde muitos não tinham dinheiro nem para o próprio sustento, assim os gastos com formas de divertimento e lazer tais como o cinema, eram feitos apenas por aqueles mais abastados.
Freqüentar um cinema significava também respirar o mesmo ar de glamour e sofisticação que as atrizes exalavam, modificar as visões acerca do cotidiano em prol das “modas” que o cinema ditava. Sobre este aspecto, Sevcenko (1998) afirma que:

Ir ao cinema pelo menos uma vez por semana, vestido com a melhor roupa, tornou-se uma obrigação para garantir a condição de moderno e manter o reconhecimento social. E se cinema era Hollywood, Hollywood eram os astros e estrelas, que era preciso conhecer intimamente na sua filmografia completa e nos detalhes da vida pessoal, amplamente divulgados pelos estúdios por meio de revistas especializadas.(SEVCENKO,1998, p. 599)


Após a morte de Luís Alves em 1950, o cine Santa Cruz ficou na posse de seu filho Mário Limeira Alves, este jornalista, poeta e professor, viveu no Rio de Janeiro e em Brasília, onde trabalhou como funcionário do Ministério de Educação e Saúde, foi casado com uma espanhola, Dona Aurora, famosa na cidade por suas andanças em Santiago de Compostela na Espanha, em sua homenagem trocou o nome do cinema fundado por seu pai, para Cine Compostelano.
 Quando ainda vivia em Santa Cruz, costumava ficar na porta do cinema tecendo críticas aos filmes, promovia as famosas sessões de “boa vontade”, onde o pagamento do ingresso era facultativo com o intuito de habituar os santa-cruzenses a freqüentar o cinema. É provavelmente dessa época que vem à memória do Sr. Zé de Zuza, a estreia do primeiro filme falado: “O primeiro filme falado em Santa Cruz chamava-se Estrelinha do barulho. E foi exibido em 1941” ( Entrevista realizada com o senhor José Balbino Filho no dia 07 Out. 2010)
Não encontramos registros sobre esse filme em outras fontes, o que nós leva a crer que se tratava provavelmente de uma produção estrangeira, traduzida com um título muito diferente do original. Nesta década, 1950, além das produções estrangeiras, registra-se também no Brasil um grande número de filmes nacionais, o comércio cinematográfico em todo o Brasil encontra-se estabelecido. Estamos falando da época das famosas chanchadas de Mesquitinha, Oscarito, Grande Otelo, Derci Gonçalves e etc.
Além de Mário Limeira Alves, o cine Santa Cruz, teve sucessivos donos, tendo sido alugado a vários exibidores, tais como: Zé Mota, Álvaro Damascena e Antônio Papagaio que exerciam a atividade de exibição por curtos espaços de tempo.Com Djair Barbosa, o cinema teve seu período mais longo com um único exibidor que vai de 1963 a 1966. Deja, como era conhecido na cidade, trocou também o nome do cine Santa Cruz, para cine Capibaribe. Porém, poucas e vagas são as informações e depoimentos sobre este cinema. Sabe-se que a projeção era de 16 milímetros, assim a imagem era inferior se comparada à projeção de 35 milímetros e a estrutura física do prédio tinha sido mantida original do período do cine Santa Cruz.

Ingresso do Cine Capibaribe. Arquivo de Gorete Morais.

O Capibaribe fechou quando o Cine Bandeirante foi inaugurado em 1966. O senhor Djair Barbosa era cunhado de Joel Morais, o então proprietário do Cine Bandeirante e foi convidado por este a trabalhar como operador no seu novo empreendimento. Além do mais, o Cine Capibaribe não tinha estrutura física para continuar existindo frente à magnificência que era o moderno Cine Bandeirante.

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